São quatro portões altos e largos, por eles transpassaram personagens e fatos que compunham a nossa história. Cada um mirando os quatro pontos: Norte, sul, leste e oeste como se fossem os portais de uma cidadela da idade média. Para nós ipuenses é um patrimônio público inalienável como a bica. Sua estrutura física foram e ainda são pontos de referência cronológica de costumes, crenças e hábitos, um bem portanto imaterial e que logo mais deixará de ser nosso. O espaço mais democrático e com cheiro de povo pertencerá à rede privada, sai de cena o labirinto das bancas na desordem organizada de seus retângulos, com o fluxo do desfile matinal de bolsas, sacos e sacolas envoltas no cheiro de peixe que nos passa a sensação de estarmos na beira de um imenso açude de águas humanas. O preço alto dos alugueis emudeceram o sorriso fácil das cafezeiras na confabulante tagarelice diária na reconfortante intimidade solidária das comadres no desabafo dos infortúnios da vida como a traquinagem dos filhos, a raiva ruidosa e sentida pela nova infidelidade do marido, no agradecimento sincero pelos pés de “comigo ninguém pode” plantados providencialmente no terreiro em frente à casa, pelos bolgaris já floridos fincados embaixo da janela da cozinha e o lastimável preço do café que não para de subir. Os novos proprietários criarão taxas para tudo com a privatização, enganarão mais que as mãos ágeis e matreiras no engodo festivo pelos balcões no duelo da disputa para livrar-se das despesas no jogo de “porrinha”. __ Quero três!
__ Peço um!
__ Égua, deu lona!
E uma romaria de chapéus flutuam pelos corredores laterais e que o vento sacana vez e outra leva um pelos ares e um gaiato aproveita e chuta-o para mais longe rindo da cara do dono desatento, que corre apresado para alcançá-lo. E em um dos portões um caboclo alisa o bigode, tira um pente para pentear os cabelos pixaim mira-se num pequeno espelho redondo e solta o xaveco grosseiro e descabido para a morena que passa e recebe um ...
__Ô bicho enxerido é homem casado, vixe Maria, credo em cruz!
O cheiro de pirão escaldado recende por todo o Mercado, facas e garfos cortam, rasgam movimentam-se compulsivamente sobre pratos como se houvessem naquele instante diversas cirurgias coletivas num imenso hospital aberto.
__ Are égua, este carneiro ta com gosto é de bode!
Andando com um tabuleiro multicolorido pelas miçangas, anéis, brincos barangandans e perfumes falsificados ecoa por entre a multidão a voz nasalada e irritante do vendedor:
__Olha a legitima colônia “toque de amor”, pode cheirar freguesa, mulher bonita não paga, mas também não leva!
Entre um trago e um copo de cerveja, juras e olhares são trocados pelos amores encomendados em troca de uma vida sustentada por uma aposentadoria de um senil solitário e a recém pretendida e prometida desabafa para a vendedora de ervas que intermediou e alcovitou o entrelaçamento.
__Mas muié, tu não vai acreditar! Pois o diabo daquele véi que tu me arrumou num sai de cima de mim.
E a feira centenária seque com sua rotina dantes feliz com seu alarido uníssono e original, percebe-se o descontentamento e a preocupação do povo com a atual administração e tudo para saldar o financiamento de uma campanha política imoral e questionada. Esquecidas ficaram as marcas e reminiscências dos pioneiros, sepultaram a originalidade de todos estes tipos populares que citei aqui. “Um povo sem memória é um povo sem história” assim afirmam os historiadores. Com certeza o acesso irrestrito e fácil do povo será ceifado, um mercado público sem a expressividade sincera franca e espontânea da casta mais simples da sociedade não tem alma:
__ Seu Manoel de Freitas tem fumo de rolo? Me dê um do bom, pois aquele da semana passada tava com cheiro de c... !
__ Olhe seu Zé, o fumo de eu tinha aqui, o Sávio Pontes e o Manoel Palácio já meteram no POVO INTEIRO DO IPU.